quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A mulher na arte do século XIX

Fonte:
PRAZ, Mário. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica. Campinas: Unicamp, 1996.

A bela dama sem misericórdia
-Imagem da mulher fatal aparece desde a Antiguidade, com o mito de Lilith.
-Ganha contorno especial na literatura romântica
-Estudo de Praz privilegia a progênie da mulher fatal na literatura, mostrando a contribuição de cada autor para fixar um certo tipo.
-Beleza feminina tem um sentido mágico, metafísico
-Aparece o tema da mulher fatal na Segunda metade do século XIX.
-na primeira metade do século XIX, tem o herói de Byron que é o homem fatal; depois na Segunda metade é a mulher; e no final do século XIX, é o tipo andrógino. O macho, primeiramente tendendo ao sadismo, inclina-se ao masoquismo no final do século.

Características da Mulher Fatal
-é diabólica
-muitas vezes pode Ter poderes sobrenaturais
-desperta paixões arrebatadoras.
-é inatingível
-é fria e insensível
-faz o homem sofrer e cair aos seus pés.
-o homem perde o controle de si e da sua vida social.
-exemplo: Carmen
-a mulher fatal pode ser exótica, como Carmen.
-associação da mulher exótica ao erotismo: ideal exótico e ideal erótico. O exotismo é normalmente uma projeção fantástica de uma necessidade sexual, uma forma de se transportar através do sonho a um clima de Antiguidade barbárica e oriental, por exemplo, onde todos os mais desenfreados desejos podem se desafogar e as mais cruéis imaginações assumem forma concreta.
-O exotismo estará ligada à raça (espanhola ou negra), e depois vai se modelar nas mulheres de Dostoievski, cuja Nastassia Filippovna é a mais característica do gênero.
-domina a arte do sexo: leva o amante ao priapismo. Não sacia a paixão.
-frequentemente mata o macho depois do amor: canibalismo sexual.
-geralmente são grandes cortesãs, personagens históricas de rainhas luxuriosas, e famosas pecadoras.
-mulher fatal: encarna em todos os tempos e em todos os países um arquétipo que reúne em si todas as seduções, todos os vícios e todas as volúpias.
-mulher é dona de uma exuberância sexual que não encontra parceiro à sua altura.
-a mulher fatal traz um princípio de morte, realçado pela palidez. Ela traz em seu corpo a alusão à morte. Mulher não tem uma gota de sangue.
-Quanto mais próxima da morte, mais bela é. Idéia da morte como beleza suprema.
-irada: é um epíteto para a mulher fatal, pois o poeta diante dela se imagina nas vestes de vítima impotente.
-é uma máquina brutal de amor, voraz e insuperável na arte de quebrar a coluna dos homens.
- mulher fatal é capaz de pôr fogo no mundo. É pálida, impura, maléfica, voraz, queimada de orgulho, cheia de vingança, esfaimada de ouro e poder.
- o herói byroniano tinha muitas vezes origem misteriosa e nobre, é assim também ocorre com a mulher fatal, cuja origem é misteriosa e nobre. E, como o super-homem byroniano, a superfêmea assume um comportamento de desafio contra a sociedade.
-a mulher não só representa o princípio ativo na distribuição do prazer, mas também na regência do mundo: a fêmea é agressiva, ao passo que o macho vacila.
-fêmeas histéricas, de vontade exasperada, nas mãos de quem o homem se torna um instrumento submisso.

Mulher defunta
-é o amor por mulheres representadas em estátuas, quadros – ou simplesmente defuntas.
-homem pode se enamorar de alguém que já morreu há muitos anos atrás.
-é uma fantasia romântica
-atração pelas mulheres nascidas de mães defuntas: valorização da palidez.
-nos romances, há muitas vezes elementos de necrofilia.
-homem quer beber até a última gota de sangue da mulher: canibalismo sexual.

Mulher doente
-interesse pela mulher morta ou semi-morta.
-há romance em que a mulher fatal é a mulher recém-curada de doença de útero; em outros, a mulher está doente; pode ser uma epiléptica ou uma demente.
-Fascinação diante da mulher estéril: maldição de uma ventre em que a inutilidade do amor parece uma transgressão monstruosa à lei suprema.
-Interesse pelos defeitos do corpo: ‘as feições mais vulgares exerciam sobre ele uma atração irritante’.

Repertório
-interesse pela anomalia: lésbicas, leprosas, etc.
-este repertório do diferente dá ao homem um senso de isolamento, causado por uma diferença radical de emoção sexual em relação ao resto dos homens.
-satanismo: alusão à profanação dos objetos sagrados, à libação com o cálice cheio de sangue e até sacrifícios humanos.
-Mulher fatal como avessa a todas as regras sociais.
-cenas de sadismo e morte dos homens ou mulheres
-prática de incesto.
-volúpia diante do martírio: o sangue a correr age sobre a bestialidade das fêmeas humanas.
-o fundo oriental é substituído depois pelo ambiente de um hospital.

Sadismo
-mulher fatal gosta do sangue do homem.
-associação do prazer e da dor: a volúpia da dor. Crença de que a dor e o espasmo dos sentidos carnais são coisa comum tanto no prazer quanto no sofrimento.
-homens procuram a dor como um prazer, querem ser vítimas da mulher.
-aproximação do amor com a morte.
-homem quer morrer pelas mãos da mulher amada.
-idéia de Sade: a idéia de que Deus golpeia igualmente o justo e o injusto, e mais ainda o primeiro que o segundo. Idéia de que a dor e a morte estão por toda a parte na natureza; que o delito é a sua lei; a concepção de Deus como um ser de maldade suprema e a revolta do homem contra essa divindade que ele renega.
-ênfase aos elementos canibalescos do sadismo.

Semelhanças entre o exotista e o místico
-o místico se projeta fora do mundo, numa clima transcendental onde ele se une com a divindade; o exotista se transporta com a fantasia para fora do tempo e do espaço e imagina ver no passado e no remoto o clima ideal para a felicidade dos próprios sentidos.
-Exotista: “ele se embala com alguns inexprimíveis devaneios orientais, plenos de reflexos de ouro, impregnados de perfumes estranhos e retumbantes de rumores alegres; ele desenvolve ali sentimentos de elegância, de nobreza e de sensualidade e, ao invés de entender que, pela sua própria natureza, tais estados residem no interior; ele pensa que os encontrará realizados em outros lugares”.
-o místico culmina com um mundo inefável, o exotista consegue concentrar-se a tal ponto naquele clima remoto no tempo e no espaço, que dá ao artista a ilusão de uma efetiva existência anterior naquele clima idolatrado. O místico nega o mundo dos sentidos; o exotista o afirma. O místico esvazia de conteúdo material o seu universo e o exotista que se investe da vibração de seus sentidos e materializa as épocas remotas e os países distantes, há uma semelhança de intenções; ambos transferem a um mundo ideal, de sonho, a realização de seus desejos, ambos, com a finalidade de provocar as condições necessárias para viver intensamente seus sonhos, recorrem sempre a estímulos, como o jejum, a vigília, no caso do místico, o ópio ou outro estimulante no caso do exotista.
-Exotismo romântico: nutre-se de um clima cultural especial, e que é também chamado de nostalgia.
-Exemplo de êxtase do exotista: “Segundo meu estado, eu estou com Aquiles nos terraplenos e com Téocrito nos vales da Sicília. Ou sinto-me viver em Tróilo, repetindo estas palavras: ‘eu erro como uma alma perdida às margens do Estige, à espera de transporte’, dissipo-me no ar com uma volúpia tão delicada que fico contente de estar só”. Exotista é um extático, um desterrado do seu próprio eu presente e atual.
-Exotista é um colecionador de sensações
- Passado antigo: onde tudo era permitido.
-Cleópatra: é uma das primeiras encarnações românticas do tipo da mulher falta.
-Galeria de mulheres fatais que se projetam sobre um fundo exótico.
-Atmosfera dos romances: medievalismo pré-rafaelita sinistro e satânico.
-Fundo dos romances: fundo oriental, luxurioso, cruel e magnífico, sobre o qual se desenhavam as superfêmeas de Gautier.

Herói byroniano
-é ele quem atrai e queima na primeira metade do século XIX
-é ele o homem fatal
-o herói byroniano também é pálido

Mulheres fatais na história
-evidentemente, parte-se de uma apreciação equivocada do passado.
-é a idéia do eterno feminino personificado no cortejo das luxuriosas rainhas orientais de nomes estranhos.
-Cleópatra
-Lucrécia Bórgia
-Semiramides
-Herodíade
-Esfinge
-Vênus e Adônis
-Diana e Endimione
-Salomé

Cleópatra
-idealizada e desvirtuada: matava de manhã o amante com quem tinha passado a noite.
-História + Oriente fabuloso
-é a encarnação perfeita da antiga luxúria.

Homem vítima da mulher fatal
-jovem é belo, casto, selvagem.
-pode ter uma atitude passiva, é obscura, inferior à mulher na condição física e ela está diante dele na mesma relação que a aranha fêmea estão diante do respectivo macho: o canibalismo sexual é monopólio da mulher.


Gautier
-fundador do estetismo exótico
-a mulher fatal aparece geralmente sobre um fundo exótico.
-nostalgia pelo passado, pelas suas imensas sensações
-passado: onde tudo era permitido, desde o mais estranho até o mais monstruoso.

Mulher fatal na literatura:
-Cécily, de Mystères de Paris
-Theóphile Gautier, Oscar Wilde, Walter Pater, D’Annunzio.

Gioconda e a mulher fatal
-foi Walter Pater que fez a grande descoberta de ler a história da mulher fatal no sorriso de Gioconda, “o impenetrável sorriso, sempre animado de algo sinistro, que se espalha por toda a obra de Leonardo (...) Todos os pensamentos e toda a experiência do mundo deixaram ali os seus sinais e as suas marcas graças ao poder que têm de refinar e tornar expressiva a forma exterior: o animalismo da Grécia, a luxúria de Roma, o misticismo da Idade Média com a sua ambição espiritual e os seus amores ideais, o retorno ao mundo pagão, os pecados de Bórgia”.

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