quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O que penso sobre Debret

Já se falou e escreveu muito sobre Debret. Inadequação do neoclassicismo, choque do homem pós-revolução com o universo colonial, influência do ideal de civilização, etc.
Parece-me que ainda não foi dito o suficiente acerca da ironia fina e sofisticada que exala de suas pranchas e telas a oleo. Nestas últimas, em lugar da grandiosidade e cerimônia, o que se percebe é um acento debochado, um risinho sardônico que parece, por vezes, descambar em pura caricatura. Corte caricata, figuras imbecis, personagens esvaziados de qualquer heroísmo - Debret riu de tudo isso.
Quanto às pranchas em que representa o universo da escravidão urbana do Rio de Janeiro, consigo encontrar, para além da indignação do homem ilustrado, um desconcertante clima de alegria: seus negros, com raras exceções, não parecem sofrer a terrível condição escrava. Nestes grupos de homens ocupados, imersos no burburinho da cidade, carregando seus trastes, ferramentas e roupas, reina uma felicidade tranquila, de quem lograr driblar a própria infelicidade, para achar nela um sentido para a vida.
Eu diria até que Debret nos mostra que estes homens, na melhor tradição dos petits métiers, encontraram no trabalho, no convívio harmônico proporcionado por este, uma espécie rara de felicidade.
Humanista até a raiz dos cabelos, Debret certamente acreditava na imensa capacidade do ser humano de superar as próprias adversidades, recusando-se peremptoriamente a sucumbir diante delas. Por pior que seja a escravidão, os homens são muito maiores do que ela. O trabalho, mesmo o escravo, tem, para ele, uma dimensão libertadora e ao mesmo tempo civilizadora: fonte de realização pessoal, de progresso individual e coletivo, ele consola e dá lenitivo para toda sorte de sofrimento. É este otimismo invencível que me fascina em Debret.

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