terça-feira, 8 de setembro de 2009

Excertos da tese de André Guilherme Dorneles Dangelo.

Dangelo, André Guilherme Dornelles. A cultura arquitetônica em Minas Gerais e seus
antecedentes em Portugal e na Europa: arquitetos, mestres de obras e construtores e o trânsito de cultura na produção de arquitetura religiosa nas Minas Gerais
setecentistas. Tese de doutorado/UFMG, 2006.



"No modo de ver de Mário, o mulato “se impõe” sobre outros artistas que, brancos ou
negros, não são mencionados no texto. São eles os responsáveis pela “deformação” dos
modelos recebidos da metrópole, portanto, pela geração do novo, associado ao nacional. Assim nasce o “mito” que mais tarde vai ser incorporado às políticas públicas oficiais via IPHAN na próxima década. Para o Brasil modernista, essa redescoberta de suas raízes culturais estruturava-se principalmente na redescoberta do Barroco brasileiro e, principalmente, no mais genuinamente brasileiro, como o que foi criado pela inventividade 78 mulata do Aleijadinho em Minas Gerais, como vimos anteriormente na fala de Mário de Andrade."


"O IPHAN foi criado na linha ideológica dos modernistas de 1922, e trabalhava, no
período de sua criação, um projeto que visava, acima de tudo, a construção de uma identidade cultural brasileira. Sob a tutela condução intelectual do já citado Mário de Andrade e a direção formal de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1968) – dois modernistas – construiu-se, teoricamente, naquele período, a idéia de que o século XVIII em Minas tinha produzido no campo das artes e da arquitetura algo genuinamente nacional, que representava exatamente o protótipo estético que se buscava como bandeira da cultura nacional e da criatividade do povo brasileiro, representado pela genialidade mulata."

Lúcio Costa e o barroco: "Durante este trabalho, Lucio Costa encanta-se pelo que vai chamar de uma “simplicidade flagrante”, uma arquitetura tosca, mas “honesta”, fruto dos imperativos do meio, que mais tarde irá qualificar como dotada de uma
“saúde plástica perfeita” e que o levará ao rompimento com o Movimento Neocolonial."

Opinião de Lúcio Costa sobre o Aleijadinho:
"[...] é assim que a gente compreende que ele (o Aleijadinho) tinha o espírito de
decorador, não de arquiteto. O arquiteto vê o conjunto, subordina o detalhe ao
todo, e ele só via o detalhe, perdia-se no detalhe, que às vezes o obrigava a soluções imprevistas, forçadas, desagradáveis. Os seus maravilhosos portais podem ser
transplantados de uma igreja para outra sem que isso lhes prejudique, pela simples
razão de que elas nada têm que ver com o resto da igreja a que dão entrada. São
coisas à parte. Estão ali como que alheios ao resto. Ele tão pouco se preocupava
com o fundo, o volume das torres, a massa dos frontões. Ia fazendo."

Visão de Lourival Machado
"Essa visão pragmática e de pureza plástica empreendida por Machado, no entanto, não
procede. Bastaria lembrarmos, no caso de Ouro Preto, das mais importantes realizações
arquitetônicas da segunda metade do século XVIII. Estas vão explicitamente gerar composições de alto teor dramático em virtude da sua movimentada atitude plástica que
ostenta o volume exterior do edifício. Igrejas como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, todas em Ouro Preto, rompem definitivamente com esta tipologia contida e singela das primeiras matrizes, despontando no século XVIII mineiro como uma das manifestações mais arrojadas do Barroco luso-brasileiro. Neste sentido, ao contrário do que propõe Machado, no nosso modo de ver a questão, essa arquitetura oferece a oportunidade de revelação do orgulho local e da disputa entre os grupos de irmandades leigas, totalmente identificadas com as tradições próprias do povo das Minas Gerais."

Visão de Sylvio de Vasconcellos
"Defendendo as particularidades sociais e econômicas que produziram o fenômeno da arte mineira, Sylvio de Vasconcellos, por fim, partiu para a defesa da idéia de que a arquitetura mineira, adaptando-se a todas as dificuldades impostas pelo meio hostil e pela condição de isolamento geográfico da região no século XVIII, soube enfrentar e tirar partido das suas próprias limitações para construir, com um caráter original, suas realizações arquitetônicas. Estas seriam vinculadas às soluções da tradição construtiva do mundo português, muitas vezes improvisadas em função das privações do meio."
"No seu objetivo de provar que, ao se afastar do legado arquitetônico do litoral
brasileiro, a arte das Minas assumia uma independência compositiva diferencial que a eleva à categoria de manifestação artística autenticamente nacional, Sylvio de Vasconcellos também dará ênfase à teoria da criatividade mulata modernista, buscando comprovar através de vários textos sobre a vida de Antônio Francisco Lisboa – o Aleijadinho – a genialidade artística da arte mineira setecentista."

Visão de Germain Bazin
"A obra de Bazin também se apresenta repleta de influências dos cânones modernistas,
principalmente sobre a evolução tipológica da arquitetura mineira, além da presença marcante da proposta de evolução tipológica, onde São Francisco de Ouro Preto aparece como a obraprima do Aleijadinho e o ápice de uma evolução lógica dentro da arquitetura setecentista mineira."

"Outro problema da obra de Bazin, no nosso ponto de vista, trata-se do nível de
isolamento que a sua obra traz do ponto de vista da arquitetura, se a compararmos com alguns trabalhos de Robert C. Smith sobre a arquitetura em Portugal no mesmo período. A falta de uma discussão mais qualificada em relação às formas de produção da arquitetura lusobrasileira no século XVIII e, principalmente, sobre a abundância das fontes visuais existentes, sua circularidade e sua importância como fator fundamental para a produção artística, nos levam a muitos questionamentos. O não aprofundamento nestas questões por um historiador do porte de Bazin, além de ser no mínimo estranho, dá margens a diversas críticas que o mesmo recebeu de alguns pesquisadores brasileiros, acusando-o, inclusive, de estar dando lastro científico às teorias da criatividade mulata dos modernistas do antigo IPHAN. Assim, o
trabalho de Bazin, ainda que não deva ser desconsiderado como uma obra de referência, por ser pioneira e porque trouxe grandes contribuições no nível de proposição crítica sobre as informações documentais existentes sobre a arte e a arquitetura barroca brasileira, à luz dos novos conhecimentos sobre o problema da evolução da arquitetura nas Minas Gerais no século XVIII, deve ser lido e entendido como um trabalho que, de certa forma, foi também contaminado por muitas das questões funcionalistas e evolutivas defendidas pelos modernistas do IPHAN."

ROBERT SMITH E O BARROCO BRASILEIRO
"Nas suas análises, Robert Smith é pouco flexível: mesmo nos episódios da arquitetura
brasileira amplamente celebrados pela história da arte, o autor os absorve como meras
imitações de modelos europeus, como o que acontece quando o autor investiga a procedência da solução inovadora de algumas igrejas brasileiras setecentistas que assumem uma complexa conformação volumétrica, dificilmente encontrada em edifícios lusitanos. Para o historiador americano, a tendência ao movimento, à sinuosidade, à
interpenetração espacial é justificada por uma suposta derivação destas construções a obras de importância secundária no cenário da arte lusitana, igrejas que nunca poderiam ser comparadas aos monumentos erigidos em território colonial. "

"Dentro desse quadro, as mais importantes contribuições que Robert Smith pôde dar
para o estudo da cultura arquitetônica setecentista em Minas Gerais, virão, no nosso modo de ver, da releitura e compatibilização de seus trabalhos sobre a arquitetura portuguesa , seus arquitetos e forma de produção, com ênfase na região do Porto e de Braga. Nestes trabalhos, onde Smith teve tempo e apoio para desenvolver uma pesquisa documental pioneira sobre as fontes que nortearam a arte do período Barroco e Rococó em Portugal, muitas constatações feitas pelo autor na década de 60 ainda estão em tempo de serem relidas e revalidadas dentro dos valores vigentes no universo da cultura arquitetura mineira setecentista, e das quais voltaremos a falar nesse trabalho."

John Bury e a arquitetura barroca:
"Nos ensaios de John Bury, pela primeira vez na historiografia sobre a arte mineira,
aparece um autor que trata da arte e da arquitetura barroca mineira como um fenômeno mais universal, e não limitado às particularidades do meio, com ênfase em uma cultura
arquitetônica que permeava uma produção internacional. Trabalhando a questão do Barroco dentro desse contexto mais universal, ligado aos movimentos internacionais vinculados ao Maneirismo, ao Barroco e ao Rococó internacionais, Bury rompe com a visão mais restrita dessa produção artística colocada pelos críticos brasileiros.Em textos como “A Arquitetura e a Arte do Brasil Colonial” pela primeira vez aparece uma associação direta da produção da arte e da arquitetura brasileira com a tratadística em vigor no período, principalmente Serlio, Vignola, Scamozzi e mesmo o tratado português “Artefactos Simétricos”".

"No caso específico do estudo sobre a arte e a arquitetura desenvolvidas no século
XVIII na região de Minas Gerais, Bury não escapa à temática da investigação sobre a obra do Aleijadinho e da sua possível influência na arquitetura de finais do século XVIII. Seu mais importante texto dentro desta coletânea, no nosso ponto de vista, é o intitulado “As igrejas “borromínicas” do Brasil Colonial” (BURY, 1991), onde Bury demonstra a universalidade dos modelos da arte mineira e desfaz os mitos do isolamento geográfico e da autenticidade genética da produção de arte e arquitetura mineira. Para demonstrar esse quadro, o autor desenvolve uma análise fundamentada na ênfase da interpretação tipológica, compositiva,artística e da filiação estilística oriunda de cada monumento. Segundo as palavras do autor, “O objetivo deste estudo é listar esses monumentos “borromínicos”, analisar sua composição arquitetônica, examinar a origem de seu estilo e investigar as possíveis fontes de
onde derivam suas diversas características pouco comuns.” Dentro desse espírito e não sendo cerceado pelas influências oficiais, o autor parte para a investigação das origens da arquitetura mineira, buscando as fontes para essa aclamada erudição compositiva não na originalidade da cultura mulata, como os outros autores estudados o fizeram, mas nos modelos europeus e no estudo da cultura arquitetônica vigente
nos séculos XVII e XVIII. Assim, após uma leitura crítica das diversas obras enquadrados na classificação de “borromínicas”, o autor passa a perseguir a suposta origem de algumas características arquitetônicas presentes nestes edifícios, principalmente a partir da interpenetração volumétrica manifesta nas igrejas de São Pedro dos Clérigos de Mariana e Rosário dos Pretos de Ouro Preto, e no uso das torres cilíndricas franqueando os dois lados do frontispício das igrejas classificadas pelo autor como pertencentes ao “estilo Aleijadinho”. Para John Bury, a origem formal dessas tipologias está no Piemonte (região ao norte da Itália), na Áustria, na Baviera (região ao sul da Alemanha) e na Boêmia (região que compreendia territórios das atuais República Tcheca e Hungria), onde existem exemplos
diversos de plantas curvilíneas que praticamente inexistem na tradição
portuguesa".


Visão de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira
"Com uma ampla produção dedicada às principais obras do Barroco brasileiro,
especialmente aquelas ligadas à arquitetura religiosa, a pesquisadora tem trabalhado
exaustivamente a partir da busca dos agentes que teriam concebido e erguido as obras
mineiras do século XVIII, buscando reavaliar a pertinência das atribuições tradicionalmente aceitas pelos críticos modernos da arte brasileira a partir da comparação do caráter plásticocompositivo das realizações mais importantes do século do ouro em Minas Gerais e cruzando esses dados com a filiação estilística de cada autor, com a época em que atuou na região, a sua procedência e a formação técnica ou teórica que teria sofrido. Crítica assumida da atribuição de São Francisco de Ouro Preto ao Aleijadinho, a pesquisadora tem defendido em seu trabalho uma posição contrária frente às teses oficiais dos modernistas do IPHAN para contestar o “mito” do “Barroco mineiro”."

Posição de André Dangelo
Neste sentido, o norte da nossa investigação deverá passar, no nosso entender, para a
esfera da busca de um objetivo historiográfico muito mais abrangente e ainda pouco
perceptível na nossa área de pesquisa: o rompimento com as eternas investigações somente focadas nas questões da genialidade artística de um só indivíduo, para a aceitação da existência uma sociedade mais plural, onde o foco da investigação arquitetônica passa também a incorporar as influências de uma rede de manifestações, vinculadas a uma produção coletiva. Para essa nova construção, é fundamental aceitarmos (contrariando a maior parte dos estudos modernistas) que esta rede de produção cultural, era regida sobre as regras de uma determinada cultura arquitetônica vigente nos séculos XVII e XVIII no Brasil, em Portugal e
nos países do Europa Central, cujo elo principal entre todos era o catolicismo, o regime absolutista e a situação periférica em relação aos centros produtores de cultura e moda na Europa, e que, tardiamente em relação à Itália, importaram e assimilaram, (sem negar as apropriações regionalizadas e suas transformações culturais) todas as manifestações culturais vinculadas a uma tradição católica conta-reformista, a arte tardo-barroca italiana e francesa produzidas nos séculos XVI e XVII."

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