"Sexto, a moderna cultura de massas mobiliza todos os seus recursos técnicos para programar os homens, por um lado para induzi-los à docilidade, ao conformismo social e político, e por outro para confrontá-lo com o espetáculo da violência. Nada mais semelhante à cultura barroca, cuja principal função era inculcar a obediência à Igreja e ao soberano, e que procurava incutir nos súditos e nos fiéis a convicção de que sem um poder absoluto o homem ficaria exposto a todos os horrores da história, simbolizados pelas cenas de decapitação e desmembramento do teatro barroco, por suas alegorias da morte, pela visão da história como ruína, como ossuário. Talvez também seja essa uma das funções da exploração da violência em nossos dias - mostrar que não há saída fora da lei e da ordem. De qualquer modo, nosso presente também está sob o signo do memento mori, e também tem seu ossuário, representado por atrocidades infinitamente mais desumanas que as praticadas durante a guerra dos Trinta Anos, que serviram de pano de fundo para o barroco do Seiscentos. As valas comuns de Auschwitz revelaram corpos decompostos e esqueletos. Recentemente vimos a foto de um iraquiano segurando o crânio retirado de um fossa coletiva, exatamente como Hamlet segurando a caveira de Yorick. Nossas ruínas são as de Berlim e as de Bagdá. Cada vez que alguém morre em nome de valores irracionais – nação, raça, cultura ou religião – é um fragmento de Iluminismo que morre dentro de nós. Nossa melancolia é Trauerarbeit, trabalho de luto pela morte de nossas utopias. "
Fonte: O barroco ontem e hoje - ensaio
Sergio Paulo Rouanet
terça-feira, 1 de setembro de 2009
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