terça-feira, 23 de junho de 2009

As raízes do modernismo

As enormes modificações que a tecnologia e a fabricação em massa, que se avolumaram com a crescente urbanização geral das sociedades durante o século 19, não podiam deixar de afetar as artes. O próprio movimento de secularização do estado e da sociedade, iniciado com a Revolução Francesa de 1789 e aprofundado com a Revolução de 1848, fez com que novos rumos temáticos e estéticos fossem buscados pelos artistas e pelos literatos.

Primeiro os pintores e, em seguida, os escultores, sentiram-se profundamente afetados pela invenção do daguerreótipo e da fotografia (1839), que logo passou a dominar os mais amplos campos da realidade: do retratismo à paisagem.

A reação dos artistas a invasão feita pela fotografia, pelo menos aqueles que podiam ser considerados como de "vanguarda", foi desencadear o Movimento Impressionista (Monet, Sisley, Berthe Morisot e Renoir, com exposição no Salão de Nadal, em Paris, 1874). Rompendo "as pontes com o passado", abandonado o ateliê, saindo às ruas, buscando os parques e as estradas atrás das paragens iluminadas e da gente simples que as integrava.

A solução que encontraram foi dissolver as imagens, antes bem fixadas e identificadas, sob o efeito das luzes do Sol ou alterá-las substancialmente em função da névoa e da chuva. Fazer delas apenas uma "impressão". A presença humana, nas novas telas dos pintores, mais e mais assumiu uma configuração imprecisa, senão fantasmagórica, cujo perfil e traços gerais embaraçavam-se com o meio circundante.

A percepção do artista devia esquivar-se da presença da realidade, libertando-se, abrindo-se para fora das convenções e da rotina acadêmica, buscando outras oportunidades pictóricas que podiam ser encontradas à luz do dia ou simplesmente na imaginação do autor.


O repúdio ao clássico





O poeta futurista Marinetti
Deu-se o sinal para que a tradição clássica da representação do ser humano, herdada do Renascimento, fosse gradativamente abandonada. Não tardou muito para que o Cubismo (Cézanne, Picasso, Braque) e o Abstracionismo (o grupo alemão Der blaue reiter, de V.Kandisky, Franc Marc), vanguardas modernistas surgidas entre 1907 e 1914, passassem propositadamente a deformar ou estilizar a figura humana ou simplesmente a suprimi-la das telas, ao tempo em que rejeitavam por igual a perspectiva e a proporção herdadas dos antigos cânones da arte, vindos de Praxíteles ou de Leonardo da Vinci.

Cores fortes, traços vigorosos, imagens imprecisas, geometrismo constante, apontaram para o fim do figurativismo, pelo menos como até então era entendido desde os tempos clássicos. Todavia, mesmo que atuando corajosa e intensamente no período pré-Grande Guerra, os artistas modernistas eram considerados, aos olhos gerais da crítica, periféricos, senão como marginais à grande arte e à alta cultura (senão que totalmente hostis a elas).

Precisou ocorrer o pavoroso colapso de 1914-18 para que eles, os modernistas, viessem a se consagrar, ainda que com severas restrições da crítica e do público (mas não dos magnatas e da alta fortuna sofisticada que os acolheu, especialmente em Paris e Nova York), a serem percebidos como arautos dos novos tempos, entes premonitórios da época do caos, do tumulto e da revolução que se seguiu aos acontecimentos de 1917-8.

Foi então que a vanguarda não só tomou as rédeas como decidiu declarar guerra perpétua à estética clássica ("Mona Lisa com bigodes", pintura galhofeira do dadaísta Marcel Duchamp, de 1919, foi o começo da dessacralização da arte clássica feita pelos modernistas).Chegara a hora de cumprir com o programa do Manifesto Futurista, lançado pelo poeta italiano Filippo Marinetti, em 1909, com sua exaltação ao movimento e ao gesto agressivo e o seu total desprezo pelo antigo (Marinetti pregou a "destruição dos museus").

A questão das vanguardas

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A idéia de que a arte vingar no futuro era uma intuição das vanguardas (termo extraído do jornal Avant-Garde, editado por Bakunin, em 1878) foi decorrente da predominância das principais correntes ideológicas e científicas da época. Tanto para a ciência positivista, para a concepção evolucionista, como para os militantes socialistas e anarquistas daqueles tempos, o mundo estava vocacionada para o devir-a-ser , para o futuro.
Os artistas, todavia, entendiam que este novo porvir era anunciado somente por uns poucos, por alguns eleitos das musas, que graças a sua extraordinária intuição e talento estético formavam a Vanguarda, apresentando as linhas gerais do que mais cedo ou mais tarde viria a se consagrar no campo das artes e dos costumes.


"O espirito novo", escreveu Apollinaire, "que dominará o mundo inteiro"..fara com que os poetas, enfim, um dia, consigam " manejar a poesia como manejam o mundo" ("O espirito novo e os poetas", 1918)

Era dever deles, dos militantes das vanguardas - homens independentes, livres enfim do Poder Sacerdotal e do Mecenato - , imitando os partidos e associações de esquerda, anunciar o vindouro por meio de um espalhafatoso, senão escandaloso manifesto. Os artistas, profetas da modernidade, missionários estéticos dos novos tempos que estavam a anunciar, não queriam mais ser vistos como modestos artesãos, presos ao anonimato do formão, da palheta e do pincel.

Eram sim os arautos do futuro. Autopromoveram-se simultaneamente como os gestadores e juizes estéticos da sua época, denunciando tudo aquilo que os cercava como pertencente à desprezada cultura filistéia e burguesa. Ditadores do futuro, do que deveria vir logo em seguida ao seu manifesto, quase sempre redigidos num tom agressivo, definitivo e apocalíptico.

Daí foi um passo a querem competir, nos anos que antecederam e os que se seguiram a Grande Guerra, com os lideres dos partidos comunistas e socialistas, como se fossem os Jaurés, os Kautskis, os Lenins e os Trotskis das belas artes (a tentação do vanguardismo por igual contaminou os revolucionários. Foi de Lenin a teoria de que o seu partido, o bolchevique, assumiria a função de "Vanguarda do Proletariado").

Exemplo disso, do cunho um tanto apocalíptico deles, pode encontrar-se nos versos do poeta expressionista Jakob van Hoddis:

"O chapéu do burguês está voando de sua aguda cabeça, em todos os ares está ecoando a gritaria/ Os trabalhadores estão caindo e despedaçando-se, e no litoral – lê-se – está subindo a preamar/ A tempestade ai está, os mares selvagens saltam para a terra, para destroçar grossos diques/ A maioria dos homens têm um defluxo/ Os trens de ferro despenham-se das pontes/ ("Fim do Mundo", in Demokrat, 1911).



Os manifestos modernistas





Um bidê como obra de arte ("toilete" de M. Duchamp)
Manifesto Futurista (Marinetti, Maiakóvski) 1909: celebração do moderno, rompimento total com o passado (mercado das quinquilharias, museus são "urnas funerárias") e com a mitologia. Culto à velocidade, ao avião, ao automóvel, ao movimento em geral.

Manifesto Cubista (artigo: éditations esthétiques/Sur la pinture) (Apollinaire, Picasso, Braque Cézanne,Cendras, Cocteau) 1913: decomposição da estrutura clássica, representação da realidade pelas estruturas geométricas, em busca da verdadeira beleza.

Manifesto Suprematista (Kassimir Malevitch, Maiakóvski) 1915: deposita na emoção a primazia suprema sobre qualquer outra consideração artística, seja de experiência psíquica ou real. Acolhe a natureza como "emoção não-cognitiva", e afirma a radicalização do abstracionismo geométrico.

Manifesto Expressionista (Kassimir Edschmid, V.Kandinsky, Franc Marc, Egon Schiele, F. Murnau (cinema))
1917: arte resultante da expressão da vida interior, de imagens que originam-se do fundo do ser. Artista instrumento da expressão, contra o positivismo e contra o naturalismo.

Manifesto Dadaísta (Tristan Tzara, Franz Jung, Marcel Duchamp, Picabia e Man Ray) 1919: "Dadá é o diluvio após o que tudo recomeça"; o que havia era a guerra, o nada. O artista devia produzir uma antiarte, uma antiliteratura.

Manifesto Surrealista (Andre Brote, Louis Agarro, Aratu, Paul Enludra e Salvador Dali, Luís Buñuel) 1924: influencia da psicanálise de Freud. Ênfase nos sonhos, e nas hipnoses. Exploração do inconsciente,, do sonho, do maravilhoso.

Bibliografia
Argan, Giulio C. – Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos, São Paulo, Cia das Letras, 1992.

Bradbury, Malcom – McFarlane, J. – Modernismo, São Paulo, Cia. das Letras, 1989.

Karl, Frederick R. – O moderno e o modernismo: a soberania do artista: 1885-1925, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1988.

Teles, Gilberto M. – Vanguarda européia e modernismo brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Record, 1987.

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