quarta-feira, 20 de maio de 2009

O debate racial no Brasil do século XIX

Martius e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Link:http://www.scielo.org.ar/scielo.php?pid=S1851-37512008000100004&script=sci_arttext

"A idéia do Brasil como uma nação mestiça tem sua própria história, envolvendo diferentes circunstâncias e personagens. Aqui, no entanto, a reflexão se limitará a como a idéia se formou e se transformou em três momentos importantes da trajetória brasileira: no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), pouco depois da independência, quando primeiramente foi problematizada a centralidade da confluência das três raças para o entendimento da especificidade do Brasil; nos anos de declínio do cativeiro, momento em que se espraiam as teorias racistas e é reelaborada a questão da mestiçagem; e na fase de intensificação da modernização do país, isto é, no pós-1930, período de consolidação do mito das três raças como base fundadora da nação brasileira.

No primeiro ato, trata-se de pensar o papel da história e dos historiadores no processo de construção da identidade nacional brasileira. A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1840, é um momento especialmente significativo do processo de constituição imaginária da nação, pois como observou Lilia Moritz Schwarcz:

Criado logo após a independência política do país, o estabelecimento carioca cumpriria o papel que lhe fora reservado, assim como os demais institutos históricos: construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos (2002: 30).

Uma das primeiras atividades do IHGB foi a realização de um concurso para avaliar a melhor proposta de pesquisa e divulgação da história do Brasil, quando saiu vitorioso o opúsculo Como se deve escrever a história do Brasil, redigido por Carl Friedrich Philippe von Martius. O ponto de vista do autor era absolutamente claro em frisar a ligação entre historiadores, historiografia e Estado. Para ele, o historiador deveria estar a serviço da pátria, e, em termos de Brasil, isso significava escrever a história como um "historiador monárquico-constitucional", evitando tanto uma "história-crônica", composta por uma multidão de fatos estéreis, quanto uma história por demais "erudita". Afinal, o objetivo da história era atingir o "povo", com uma linguagem "popular" e "nobre". Além dessas prescrições, von Martius salientou que o traço realmente distintivo do Brasil era o encontro de três raças (africanos, europeus e ameríndios). A história brasileira deveria ser a história desse encontro, do processo de formação de uma população mestiça e do aperfeiçoamento dessa gente por meio da liderança civilizadora do branco. Segundo Martius:

Qualquer que se encarregar de escrever a história do Brasil, país que tanto promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí concorreram para o desenvolvimento do homem.
São porém estes elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do homem convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor cobre ou americana, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla, das relações mútuas e mudanças das três raças, formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem um cunho muito particular (1991 [1844]: 30).

Enquanto a monografia de von Martius frisava a importância do encontro, da mescla e das relações mútuas das três raças para a história da jovem nação, a poesia americana de Gonçalves Dias, outro membro eminente do IHGB, fornecia um dos primeiros sentidos desse processo. Sua poesia denunciou o extermínio dos povos americanos, traçando a dimensão trágica subjacente à formação do Brasil, oriundo do encontro entre os colonizadores portugueses, as tribos tupis, que foram enfim dizimadas, e os africanos, reduzidos a escravos. "O que resultou do encontro", escreveu Alfredo Bosi citando Gonçalves Dias, "foi uma nação 'que tem por base/ Os frios ossos da nação senhora/ E por cimento a cinza profanada/ Dos mortos, amassada aos pés de escravos'." (1992: 186).
(...)
"Parte significativa dos homens de ciência adotou a perspectiva das teorias racistas para pensar os dilemas e perspectivas da nação e para justificar, com base nas supostas diferenças raciais, as hierarquias sociais que ainda opunham senhores e escravos, mas também e principalmente a "boa sociedade" e a crescente população pobre e livre, formada por negros, índios e mestiços. Como advertiu Roberto Ventura, é precisamente no clima da abolição e com a instituição do cativeiro com seus dias contados que floresce o pensamento racista brasileiro.

A questão étnica se tornou central no momento de implantação do regime republicano e do trabalho assalariado. O racismo científico foi adotado, de forma quase unânime, a partir de 1880, enviesando as idéias liberais, ao refrear suas tendências democráticas e dar argumentos para estruturas sociais e políticas autoritárias (Ventura 2000: 354).

Do evolucionismo, dois conceitos se tornaram centrais para os homens de ciência do fim do século XIX: meio e raça. O Brasil não era uma cópia da metrópole, porque possuía um "meio" e uma "raça" particular, que lhe conferiam uma identidade nacional (Ortiz 1985: 17). A noção de povo se confundia, nesse momento, com o problema étnico do caldeamento das três raças: brancos, índios e negros. Euclides da Cunha se interessava pelas raízes indígenas do homem do sertão que, para ele, era um "bravo" justamente porque conseguiu domesticar a caatinga, isto é, um meio ambiente bastante inóspito. Sílvio Romero e Nina Rodrigues, por sua vez, postulavam a idéia de que o índio estava em vias de desaparecimento e davam grande importância ao negro que teria se aliado ao branco e prosperado (Ortiz 1985: 18-19). O pensamento de Nina Rodrigues é um bom exemplo, aliás, para demonstrar que a crítica à instituição escravista não implicava necessariamente o argumento da igualdade étnica. Afinal, apesar da viva simpatia que sentia pelo negro, ele pregava sua inferioridade como evidência científica (Ventura 2000: 346)".

Negros e índios eram vistos como entraves ao processo civilizatório. Para resolver tal problema, apostava-se na mestiçagem biológica e moral. Representativo desse ponto de vista é o pensamento de Sílvio Romero, que postulava uma escala ou um ranking de raças, onde o mais inferior era representado pelos índios, seguido dos negros, portugueses, vistos como mestiços de ibéricos e latinos, e, no topo, os arianos, isto é, germanos, eslavos e saxões (Ventura 2000: 343). Para ele, o servilismo do negro, a preguiça dos índios e o caráter tacanho do português produziram uma nação informe, sem qualidades fecundas e originais. Mas sua teoria sobre a mestiçagem previa o branqueamento da população brasileira em um prazo de três ou quatro séculos (Ventura 2000: 344).

Resumindo, para os homens de ciência do fim século XIX, a suposta inferioridade de negros e índios, como dois dos três elementos étnicos formadores da população brasileira, era o maior desafio para a construção de uma nação viável e para a elaboração de uma identidade nacional. Para eles, o tema da mestiçagem era "real" e "simbólico", pois, como explica Renato Ortiz:

concretamente se refere às condições sociais e históricas do amálgama étnico que transcorre no Brasil, simbolicamente conota as aspirações nacionalistas que se ligam à construção de uma nação brasileira. [ ... ] Dentro dessa perspectiva a miscigenação moral, intelectual e racial do povo brasileiro só pode existir enquanto possibilidade. O ideal nacional é na verdade uma utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo de branqueamento da sociedade brasileira. É na cadeia inferiores", o que politicamente coloca a construção de um Estado nacional como meta e não como realidade presente da evolução social que poderão ser eliminados os estigmas das "raças" (1985: 21).




EUGENIA E TEORIAS RACIAIS NO BRASIL
link: http://www.facol.com/gestus/artigos/artigo5-completo.htm

"Iniciou-se na Europa, a partir da segunda metade do século XIX, uma discussão teórica a respeito da constituição das “raças” humanas. E logo essas teorias chegaram ao Brasil, fato que causou grande confusão entre a elite nacional que teve que “adaptar” os novos pensamentos à realidade racial do Brasil. Para justificar as práticas discriminatórias e racistas, foi criada no século XIX, por Francis Galton, a eugenia, que se caracterizava como um conjunto de idéias e práticas relativas a um “melhoramento da raça humana”. Esses pensamentos chegaram ao Brasil do século XX e tiveram papel determinante no modo de pensar e agir da elite brasileira e, por conseguinte, da pernambucana, pois seus pressupostos explicariam a situação pela qual passava o “atrasado” Brasil e mostrariam como resolver esse problema.
Segundo os pressupostos eugênicos, a hereditariedade determinaria o destino do indivíduo, se seria “inferior” ou “superior”, ou seja, que o pobre era pobre por ser inferior, nascendo predestinado à pobreza. A inferioridade e a superioridade eram dados a priori, determinados pela própria natureza. Por isso os jovens da alta sociedade deveriam exercitar e cuidar de sua saúde e de seu corpo, para que as futuras gerações não nascessem “degeneradas”.
O que a eugenia propunha, em estudos recebidos com alvoroço, era a limpeza da raça, por meio da eliminação de traços humanos indesejáveis. A teoria passou à prática e, nos primeiros anos do século XX, o que se viu no Brasil foi uma espécie de "higiene racial". Procurou-se estabelecer o modo mais eficaz de se “apagar” os cidadãos classificados como sendo de "baixa qualidade racial". Era preciso impedir a "degeneração da raça" e assim como era preciso fazer a higiene das cidades, também se deveria fazer a "limpeza da raça".
No Brasil, o movimento eugenista esteve profundamente articulado à ideologia do “embranquecimento”. No início do século XX, a classe dominante brasileira via-se diante do dilema de um enorme contingente populacional negro politicamente emancipado, porém, socialmente subalterno. Uma das explicações racistas, com pretensões científicas, que sofreu forte influência das idéias européias, foram as obras de Silvio Romero e Nina Rodrigues, pregando a inferioridade genética da raça negra como fator explicativo para tal estado de acontecimentos. Nina Rodrigues foi um dos precursores dos estudos sobre o negro no Brasil, tendo escrito seu livro em finais do XIX e início do XX, embora tenha sido publicado completo somente em 1932. Para ele “a Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestes serviços à nossa civilização, por mais justificados que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”. Dos fins do século XIX ao primeiro quartel do século XX (especialmente até a entrada dos anos 20), travou-se uma surrealista discussão sobre em quanto tempo o negro deixaria de existir. Os mais “otimistas” acreditavam que em cem anos, os mais “pessimistas” iam até três séculos. Muito mais importante que essa estranha polêmica era o fato que se discutia, sem nenhuma oposição cultural ou política, a ideologia do “branqueamento” com algo definitivo. Segundo os teóricos da época, o negro iria desaparecer da população brasileira através da miscigenação, que depuraria a raça e a levaria ao embranquecimento."
(...)

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Cadê os sanitaristas, a matéria ficou incompleta. Houve durante décadas um intenso debate sobre o princípio da raça e o princípio da mestiçagem. Justamente o que estou procurando, mas houve um apagamento dessa parte tão importante.

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