terça-feira, 1 de setembro de 2009

Princípios gerais da arte e cultura barrocas.

- Movimento: Velasquez, Peter Paul Rubens (Maria de Médicis), El Greco, Santa Teresa d’Avila de Bernini; San Carlino alle Quatro Fontane, de Francesco Borromini; Palácio Carignano, de Guarino Guarini, Rubens em A festa de Vênus.
- Mundo como aparência: retratos de Velazquez da família real. Descrença no valor da verdade. "Nesse mundo em que tudo é enganoso, a vida é uma teia de meras aparências, e nada é o que parece ser. É o mundo do trompe l’oeuil, do simulacro: la vida es sueño. "
- Violência: Rembrandt Van Rijn. Boi esquartejado (Museu do Louvre); Rembrandt, Lição de anatomia; Davi com a cabeça de Golias, de Caravaggio Judite e Holofernes, de Caravaggio; A crucificação de São Pedro (Caravaggio).
- Interesse pelo conhecimento do homem: retratos de Rembrandt.
- Variedade do mundo: retrato do bufão Calabazas ou Calabazillas, de Velazquez; retrato de Don Diego de Acedo, de Velazquez; retrato de O bobo da corte Sebastián de Morra (Velazquez).
- Sensação de incompletude
- Mundo como teatro/representação.
- Gosto pela ostentação

Notas rápidas sobre a arte barroca.

Objetivo do artista:
- provocar sentimentos.
- quer atuar sobre a ordem sentimental e não intelectual dos homens.
- ilusionismo visual
- ênfase na profundidade (extensão do espaço).
- realidade do objeto próximo confere veracidade aos elementos sobrenaturais. De modo que a experiência direta da realidade dá a base para ir para além do real (verossimilhança). Se o que está próximo é verdadeiro, o que está longe também.
- elasticidade do tempo e do espaço.
- ilusão das coisas
- busca da surpresa visual.


Ilusão e maravilha
- ilusão: alteração de uma condição normal. Tal alteração determina um choque emotivo que determina a maravilha.
- alteração das medidas e dimensões naturais das coisas (efeito de maravilha/ surpresa). Baldaquim de Bernini. Não é uma imitação do real; persuade a imaginar.
- escala de medidas são relativas.

Imitação
- gosto pela imitação
- artista extrai prazer em mostrar como a pintura é uma imitação onde a realidade é tão bem simulada.

Espaço barroco
- criação de um espaço imaginário/ não-natural. É como se penetrássemos num mundo em que as nossas regras não se aplicam.
- arte barroca cria espaços imaginários, tanto na arquitetura quanto na pintura, cuja função é romper com a ilusão do espaço fechado.
- a característica mais importante é o infinito como valor essencial, rompendo-se a forma fechada das estruturas arquitetônicas.
- a integração das artes num ilusionismo ótico barroco ocupa o espaço, transformando-o em algo imaterial, intangível e infinito, isto é, espiritual.
- a arquitetura cria um organismo vivo, que integra o espectador à arquitetura. A obra não é vista, mas vivida.
- especulação arquitetônica: esta especulação tem por objetivo conseguir um todo que não seja a composição das partes. Ela visa a total integração espacial e a eliminação de zonas de conflito que quebrem a idéia globalizadora do espaço. Consegue-se assim que o itinerário visual do espectador concentre-se sucessivamente, seguindo um percurso longitudinal, na fachada e no altar e no altar. Reforça-se assim o sentido teatral do espaço, que recolhe num só ponto, fazendo-as confluir, todas as partes do conjunto. Assim, o espectador não está num lugar do espaço, mas dentro do próprio espaço, absorvido pelo movimento e pela interpenetração das partes num todo. A arquitetura barroca leva-nos a um percurso visual que, por falta de elementos diferenciados, leva-nos sem descanso ao longo de um contínuo sem fim.
- tendência de afastamento do plano para a profundidade.
- sugestão do ilimitado, incomensurável, infinito.
- espaço é compreendido como algo em processo de formação, como uma função.
- o método empregado pelo barroco para dar a profundidade espacial é o uso de primeiros planos maiores do que o tamanho natural, de figuras relevadas, trazidas para o alcance do observador, e de uma súbita redução de proporções nos motivos do fundo.
- espaço é criado pelo espectador: é uma forma de existência dependente dele.
- composto por dimensão, proporção e direção.
- concepção de realidade: universalista (valor essencial do espaço/ é o espaço que determina a figura/ esta está em relação com uma parede, o céu, a luz, etc.) ou nominalista (valor essencial do objeto: o espaço é definido pelo objeto).
- na arquitetura: o prédio domina o espaço e o ambiente, estes ficam reduzidos a um fundo naturalista (Bernini). Ou: o edifício é colocado em relação a outros edifícios ou a paisagem, que o constituem (Borromini).
- na arte barroca as composições dão a impressão de serem incompletas ou desconexas: parece tenderem para alem delas próprias, poderem continuar-se. Ao contrario do clássico, onde representa-se um fenômeno autônomo, onde todas as partes de um quadro são interdependentes, onde nada é supérfluo.
- composição: um lado é sempre mais acentuado que outro.
- desprezo pela idéia de simetria.
- violentas diferenças no tamanho dos objetos vistos na perspectiva.
- formas que sobressaem de forma violenta do quadro.
- pormenor ou detalhe não tem qualquer significado em si.
- escala de medidas são relativas, sem preocupação com a proporção. Emprego de escalas diferentes.
- valorização do efeito visual.
- não pressupõe o espectador parado. Convida-o a se movimentar. Movimento do espectador confere movimento a fachada.
- barroco visa alterar a medida das distancias e dos tamanhos.
- espaço não é geométrico/ não é um cenário vazio, enquanto se espera a chegada dos atores. O espaço terá dimensões e direções infinitas, pleno de coisas, cada um das quais será ao mesmo tempo central e periférica.

Tempo barroco
- o quadro dá um aspecto passageiro da realidade, em que o observador tem a boa sorte de participar só por um momento.
- ponto de vista artístico do barroco é cinematico: os acontecimentos representados parecem ter sido surpreendidos. É um puro acaso.

Percepção do barroco
- apelo à emoção do espectador.
- dificuldade para se apreender os motivos.
- busca dar a impressão de que o quadro não foi previamente concebido em sua totalidade.
- fim do demasiado claro e óbvio.
- atração pelo difícil e complicado.
- quer despertar no espectador o sentimento do incompreensível e do inenarrável da representação.

Visão pessimista do homem e do mundo

"Estes testemunhos denunciam a agressividade e violência do ser humano, o que, em primeiro plano, põe em relevo o pessimismo com que ele é contemplado. Violência pública, social, nas guerras, nas práticas penais da época, nos homicídios, roubos e demais delitos que diariamente são cometidos; violência nas relações privadas, interindividuais..."
MARAVALL, A cultura do barroco, p. 263.

Trecho de Sérgio Paulo Rouanet sobre a cultura neobarroca

"Sexto, a moderna cultura de massas mobiliza todos os seus recursos técnicos para programar os homens, por um lado para induzi-los à docilidade, ao conformismo social e político, e por outro para confrontá-lo com o espetáculo da violência. Nada mais semelhante à cultura barroca, cuja principal função era inculcar a obediência à Igreja e ao soberano, e que procurava incutir nos súditos e nos fiéis a convicção de que sem um poder absoluto o homem ficaria exposto a todos os horrores da história, simbolizados pelas cenas de decapitação e desmembramento do teatro barroco, por suas alegorias da morte, pela visão da história como ruína, como ossuário. Talvez também seja essa uma das funções da exploração da violência em nossos dias - mostrar que não há saída fora da lei e da ordem. De qualquer modo, nosso presente também está sob o signo do memento mori, e também tem seu ossuário, representado por atrocidades infinitamente mais desumanas que as praticadas durante a guerra dos Trinta Anos, que serviram de pano de fundo para o barroco do Seiscentos. As valas comuns de Auschwitz revelaram corpos decompostos e esqueletos. Recentemente vimos a foto de um iraquiano segurando o crânio retirado de um fossa coletiva, exatamente como Hamlet segurando a caveira de Yorick. Nossas ruínas são as de Berlim e as de Bagdá. Cada vez que alguém morre em nome de valores irracionais – nação, raça, cultura ou religião – é um fragmento de Iluminismo que morre dentro de nós. Nossa melancolia é Trauerarbeit, trabalho de luto pela morte de nossas utopias. "
Fonte: O barroco ontem e hoje - ensaio
Sergio Paulo Rouanet

Dica de leitura sobre o barroco e a nossa cultura.

Visitem a página abaixo:

http://www.psicanaliseebarroco.pro.br/revista/revistas/obras/OK%20O%20BARROCO%20ONTEM%20E%20HOJE%20n.%202.rtf

Estética da crueldade

Segundo Maravall, o homem barroco se compraz diante das imagens de corpos despedaçados, de sofrimento físico, de sangue a jorrar, de necrópsia, enfim, do corpo em situação de dor ou como objeto de curiosidade mórbida. A dimensão física da morte, como esqueleto, cadáveres e túmulos, por exemplo, não o apavora. O que ele teme é sobretudo a dimensão sobrenatural da morte, aquilo que vem depois dela. Menos que um exagero, a representação exaustiva dos temas ligados ao sofrimento físico ecoa a presença massiva da morte no cotidiano do homem barroco. A morte está na ordem do dia.

Cultura barroca, segundo J. A. Maravall

Maravall propõe uma interpretação da cultura barroca a partir do significado e de seus caracteres, de modo a colocar em evidência as condições sociais que contribuem para a sua formação e transformação. Trata-se, em suma, de pensar a cultura em relação com as condições históricas, estabelecendo relações recíprocas entre elas. Daí a idéia de que o barroco é um conceito de época, isto é, datado historicamente, irredutível a um análise meramente formal. Para ele, a cultura barroca surge de uma situação histórica muito específica. Esta visão de uma cultura totalmente integrada às condições sociais vai resultar, na análise de Maravall, no prolongamento de caracteres culturais na estrutura histórica. Assim, o mercantilismo, enquanto política econômica regida pela competição, dá lugar à concepção dos homens como seres altamente competitivos, em luta entre si. O princípio do movimento pode ser localizado tanto nas manifestações artísticas quanto nos tratados políticos, na medicina, na filosofia, etc. Segundo Maravall, “seu método consiste em levar em consideração o máximo de dados constatáveis e os mais diversos do quanto uma época ofereça, para interpretá-los no organismo em que se integram”. Daí o fato de que a investigação de Maravall procede a um inventário morfológico de fenômenos oriundos de campos diversos, de modo a estabelecer ligações entre eles. Segundo ele, “acreditamos firmemente que, em um momento dado, em qualquer campo dos fatos humanos, possa-se falar coerentemente de barroco”. É fundamental observar que, para Maravall, é impossível falar de uma cultura barroca apenas do ponto de vista da arte; cultura e história social estão intimamente ligadas.