terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sobre a arte moderna

Vanguarda como decadência - o juízo de Hauser.

Arnold Hauser, História social da literatura e da arte. São Paulo, Mestre Jou, 1982.
- Pela primeira vez, desde a Idade Media, é colocado em questao ser função da arte a reprodução exata da vida, fiel à sua natureza. A este respeito, o impressionismo fora o climax e o termo de uma evolução que durara mais de quatrocentos anos. A arte pós-impressionista é a primeira a renunciar a todo o aspecto ilusorio da realidade e a exprimir a sua atitude perante a vida, atraves da deformação deliberada dos objetos naturais. Cubismo, construtivismo, futurismo, expressionismo, dadaísmo e surrealismo afastam-se com aa mesma decisao do impressionismo ligado à natureza e afirmador da realidade. À arte pós-impressionista já não se pode chamar, em nenhum sentido, uma reprodução da natureza; a sua posição relativa perante a natureza é de violacao. Quando muito, pode-se falar de uma especie de naturalismo magico, da produção de objetos que existem lado a lado da realidade, mas que não tomam o seu lugar. Perante as obras de Braque, Chagall, Rouault, Picasso, Miró, Henri Rousseau, Salvador Dalí, Paul Klees, sentimos sempre que, apesar de todas as suas diferencas, encontramo-nos num segundo mundo, um supermundo que, por muitas feicoes da realidade vulgar que possam manifestar, representam uma forma de existencia que ultrapassa essa realidade e é incompativel com ela.
A arte moderna é, porem antiimpressionista ainda noutro sentido: é uma arte fundamentalmente “feia”, que foge à euforia, às formas fascinantes, às tonalidades e às cores do impressionismo. Na pintura destrói os valores pictóricos, na poesia sacrifica cuidadosa e consistentemente as imagens, e na musica prescinde da melodia e da tonalidade. Implica uma fuga angustiada de tudo o que é agradavel e dá prazer, de tudo o que é puramente decorativo e atraente. A arte pós-impressionista é a primeira a por em relevo o que ha de grotesco e de falso na cultura. Donde a luta contra todos os sentimentos voluptuosos e hedonistas, donde a tristeza, a depressao e a tortura nas obras de Picasso. A aversao pelo sensualismo da arte anterior e o desejo de destruir as ilusoes que a permeiam vao tao longe, que os artistas recusam-se, agora, a utilizar mesmo os seus meios de expressao e preferem, como Rimbaud, criar linguagem artificial propria.
- A luta sistematica contra o uso dos meios de expressao convencionais e a consequente decadencia da tradição artistica do seculo XIX iniciam-se em 1916, com o dadaismo. O objetivo deste movimento consiste na sua resistencia às seducoes de formas prontas a serem usadas e dos convenientes cliches linguisticos, mas sem valor por já estarem muito gastos, pois falsificam o objeto que se descreve e destroem toda a espontaneidade de expressao.
- O ecletismo, por exemplo, de Picasso corresponde à deliberada destruição da unidade da personalidade; as suas imitacoes São protestos contra o culto da originalidade; a sua deformação da realidade, que esta sempre a revestir-se de formas novas, para demonstrar com mais poder convincente o que há nelas de arbitrario, pretende, acima de tudo, cofirmar a tese de que “natureza e arte São dois fenomenos inteiramente diferentes”. Picasso assume, deste modo, o papel de ilusionista, de parodista, por oposição ao romantico, com a sua ‘voz interior’, o seu ‘sim ou nao’, o seu apreco e adoração por si proprio. Picasso representa um rompimento completo com o individualismo e o subjetivismo, a negação absoluta da ideia de arte como expressao de uma personalidade inequivoca. As suas obras São notas e comentarios sobre a realidade; não pretende que as considerem pinturas de um mundo e de uma totalidade, como uma sintese da existencia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário